
Fracassou (ao menos por enquanto) a ideia dos ditos superclubes da Europa de criar uma Superliga, competição que seria organizada à revelia da Uefa e da Fifa. Foi uma bomba que caiu sobre o mundo do futebol e que teve dois dias de duração até ser contida. Mas, na visão do autor destas linhas, já deixou uma lição: o dinheiro não pode subverter a lógica do futebol.
O que quero dizer com isso? Que o objetivo principal destes 12 clubes (Milan, Arsenal, Atlético de Madrid, Chelsea, Barcelona, Inter de Milão, Juventus, Liverpool, Manchester City, Manchester United, Real Madrid e Tottenham), que é gerar mais dinheiro com os direitos de transmissão de um campeonato deste tamanho, pode ser até válido, mas despreza um valor fundamental do esporte: a competição que ainda premia o mérito.
Tem outra coisa: a Superliga parte de um pressuposto muito errado. O que garante que estes são os 12 maiores clubes do mundo? Dinheiro? Só se for. Títulos? Há quanto tempo Tottenham não ganha um título relevante? Quantas Champions League foram conquistadas pelo Arsenal?
Outra questão: os mentores da Superliga tiveram, a meu ver, uma postura muito atropelada em relação ao ‘golpe’ que eles tentaram dar na Uefa e na Fifa. Tentaram, na famosa canetada, empurrar uma decisão sem qualquer tipo de diálogo com alguns players importantíssimos do futebol: os jogadores, treinadores e os torcedores.
Não foi à toa que a comunidade do futebol reagiu de forma rápida (e bem negativa). Vozes importantes do futebol protestaram, como Marcelo Bielsa, Jurgen Klopp e Pep Guardiola. Craques da bola, como Kevin De Bruyne, e ex-jogadores relevantes, como Gary Neville, foram vozes ativas no combate a esta iniciativa. A Heineken, patrocinadora oficial da Champions, se posicionou de forma dura contra a Superliga.
Os torcedores também viram neste episódio como uma oportunidade de se manifestarem de forma contundente por mudanças no futebol. Os fãs do Chelsea foram para a rua protestar na última terça. Petr Cech, ex-goleiro e atual diretor do Chelsea, precisou descer do veículo para acalmá-los. Até torcedores de rivais históricos como Manchester United e Liverpool se uniram na causa – o que não deixa de ser um feito da Superliga.
O que os jovens querem?
Presidente da Superliga europeia e do Real Madrid, Florentino Perez usou uma justificativa bem equivocada para referendar a nova competição: “Os jovens já não têm interesse por futebol. Por que não? Porque existem muitos jogos de baixa qualidade e não lhes interessa, têm outras plataformas para se distraírem”, disse o mandatário, para depois complementar com algo que merece uma reflexão maior.
“O futebol tem que evoluir, como empresas, pessoas, mentalidades. As redes mudaram a forma como se comportam e o futebol tem que mudar e se adaptar aos tempos em que vivemos. O futebol estava perdendo o interesse, o público está diminuindo”.
Sim, as redes mudaram a forma como os fãs se comportam. Sim, o e-sports e os games como um todo são adversários cada vez mais forte do futebol para prender a atenção dos jovens. Mas não é criando uma competição em que não se premia o mérito que vai resolver este problema. Não é banalizando os superclássicos regionais que vai atrair um interesse maior desta faixa etária. Se fosse, todo Real Madrid x Liverpool na fase de grupos da Champions League daria uma audiência acima da média…
A nova geração quer experiência aliada ao futebol. Quer receber um autógrafo personalizado em casa do Lionel Messi só por ter comprado o pacote para ver Champions League em casa. Quer poder acompanhar Barcelona x Milan jogando seu game favorito na mesma plataforma, ou podendo convidar os amigos para uma Watch Party. Quer torcer para um time e saber que ele foi construindo degrau a degrau o seu mérito para ser campeão – assim como ele aprendeu que seu pai torcia. A guerra entre os clubes e Fifa/Uefa está longe de acabar. Mas o dinheiro que está em jogo não pode subverter esta lógica do prazer proporcionado pelo futebol.
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